Uma audiência na Câmara dos Deputados em Campo Grande reuniu parlamentares para debater o pacote anticrime e anticorrupção (PL 882/19) proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
O deputado Fábio Trad integrante titular do colegiado e mestre em Direito Penal, destacou a afronta ao princípio constitucional da soberania dos vereditos, que sujeita os réus a novo julgamento, art. 593, III, do Código de Processo Penal, quando se tratar de decisão contrária à prova dos autos.
Ele também falou dos dispositivos do pacote anticrime que limitam recursos processuais, como o que impõe limitações aos embargos infringentes, recurso cabível contra acórdão não unânime, e o que acaba com o efeito suspensivo do recurso da pronúncia, decisão que determina o julgamento por júri popular.
Para Trad, a criação de mecanismos de celeridade na tramitação dos procedimentos criminais pode reduzir o sentimento de impunidade criado pela demora na condenação dos réus.
“Existe uma cláusula pétrea que garante não haver prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de esgotado o processo na Justiça. Ser uma cláusula pétrea significa que não se pode modificar este princípio sem que haja mudanças na legislação e não se deve mudar legislação em nome de um problema operacional. Sugiro, isso sim, que abrevie-se o número de recursos no novo Código Penal”, explicou.
Trad perguntou a um dos convidados, o advogado e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Alberto Zacharias Toron, sobre os perigos do superencarceramento que pode ser gerado a partir da lógica repressivo-punitivista do pacote anticrime.
Toron concordou e acrescentou que aumentar o tempo de prisão e limitar as possibilidades de liberdade condicional não contribuirá para a redução da criminalidade no país e ainda poderá fragilizar direitos e garantias individuais do cidadão.
“Essa lógica da intimidação geral, da eficácia repressiva, é muito boa para vender livro e se eleger, mas, concretamente, o aumento nominal das penas, por si só, desacompanhado de outras instâncias, como investimento em educação, esporte, na área social, em medidas de ressocialização, não tem eficácia, não funciona”, disse.
A professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux explicou que o encarceramento pode contribuir para o fortalecimento de organizações criminosas nos presídios.
“Quem vai para a cadeia é o pequeno traficante. Isso não impacta o tráfico nem as organizações criminosas”, declarou ela, ao lembrar que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo desde 1988. “Não há evidências que comprovem relação entre o aumento de pena e a redução da criminalidade. Mesmo nos Estados Unidos o aumento das punições está sendo reavaliado, porque tem custo alto e não atende às expectativas”.
Para a professora, falta investigação para se chegar aos grandes traficantes. “A legislação vigente não diferencia claramente usuários e traficantes.”
A possibilidade de ampliação do chamado, instituto da legítima defesa, também gerou debate entre o grupo, com muitas indagações. O professor Toron disse que "ampliar o conceito de legítima defesa para abrigar situações de medo e violenta emoção é dar uma espécie de carta branca para que se possa matar”, comentou.
O pacote anticrime estabelece que o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou mesmo deixar de aplicá-la se o homicídio acontecer por conta de “medo, surpresa ou violenta emoção do autor”. Enquadra-se o ato do policial que pretenda prevenir agressões, mesmo que o crime ou delito ainda não tenha sequer ocorrido.
Fábio Trad também questionou o presidente da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários (Fenaspen), Fernando Ferreira Anunciação, sobre as razões do alto número de presos no sistema penitenciário.
“Os números são alarmantes, é preciso investir na polícia, nos agentes penitenciários e nas penitenciárias. Com o perdão da palavra, mas como um homem ou mulher se recuperam naquele “lixo” de lugar para posteriormente serem reintegrados à sociedade? E quando sai da prisão não arruma emprego e volta a praticar delitos. Aí tanto a taxa de reincidência como a de evasão serão sempre altas mesmo, infelizmente”.
O grupo de trabalho também discutiu sobre os PLs 10372/18 e 10373/18, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.