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Opinião

Os primeiros habitantes, o indigenato e o direito originário

24 agosto 2017 - 17h16Luana Ruiz Silva de Figueiredo

O primeiro documento oficial do Brasil foi escrito por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, datada de 01 de maio de 1500, na qual registrou suas impressões sobre o Novo Mundo e o primeiro contato com os índios:

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas.

São então, os índios, os primeiros habitantes destas terras, os donos naturais deste solo, os filhos deste chão, tendo eles direitos territoriais congênitos, inerentes à sua essência primitiva, pois aqui já estavam primariamente, fato este que embasou o Alvará Régio de 01 de abril de 1680, o instituto do indigenato de João Mendes Junior de 1912 e o direito originário garantido pela Constituição Federal de 1988.

Só que não. 

Nem foram os primeiros habitantes deste solo, nem estão amparados pelo instituto do indigenato e nem tampouco o direito originário trazido pela Constituição Federal de 1988 lhes garante um direito congênito.
Quanto ao instituto do indigenato, pensado por João Mendes Junior em 1912, o qual teve como base o Alvará Régio de 1680, que mandava respeitar as terras indígenas, pois foram eles os “primeiros ocupantes e donos naturais destas terras”, e em razão desse reconhecimento na qualidade de donos naturais o indigenato viria a garantir aos índios o direito sobre todas as terras nas quais um dia seus antepassados supostamente estiveram.

Com o advento do Brasil Império e a premissa de que a cada Estado deve corresponder uma única Nação, por força das influências da Revolução Francesa, a ideia de “soberania das nações indígenas” perde espaço político e jurídico.

A Lei Imperial n. 601, de 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, editada sob a vigência da Constituição de 1824, determinou que seriam reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existissem hordas selvagens, de modo que não havia qualquer garantia aos índios sobre as terras nas quais eles estavam, mas tão somente a garantia de que à eles seriam reservadas áreas para sua colonização e aldeamento.

Desde então o Alvará Régio de 01 de abril de 1680 já não mais encontrava recepção no ordenamento jurídico pátrio, tendo o indigenato sido definitivamente sepultado pelo artigo 1.807 do Código Civil de 1916 que revogou as ordenações, alvarás, leis, decretos, resoluções, usos e costumes concernentes às matérias de direito civil e a Constituição Federal de 1988 vedou a repristinação, caindo por terra qualquer argumento que pretenda direito territorial indígena por serem eles donos naturais destas terras.

Assim, somente seriam terras indígenas as porções de terras devolutas para eles reservadas, vindo a Constituição Federal de 1934 garantir o direito dos índios sobre essas terras institucionalmente reservadas, desde que nelas se achassem permanentemente localizados, de modo que mesmo sobre as terras reservadas os índios não teriam qualquer direito se as deixassem, não restando garantido o retorno às terras nas quais um dia estiveram.

Quanto ao reconhecimento aos índios do direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, trazido pelo artigo 231 da Constituição Federal, imperioso considerar o contexto histórico do ordenamento jurídico brasileiro.

Com a Lei de Terras existiam exclusivamente três tipos de terras no Brasil, as terras particulares, as terras a serem legitimadas e as terras devolutas, sendo parte destas reservadas para a colonização indígena. Não existia a figura de terras indígenas pertencentes aos seus donos naturais.

Assim, o termo direito originário não está a garantir aos índios o direito sobre as terras nas quais um dia estiveram por serem seus donos naturais, mas direito originário no sentido de se originar da nova ordem constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal definido a Constituição Federal como estatuto jurídico da causa indígena.

Por certo que a premissa do indigenato e o direito territorial enquanto um direito congênito não estão recepcionados pelo ordenamento jurídico pátrio, de modo que a Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios o direito sobre as terras nas quais eles estão, e as quais habitam em caráter permanente, e não o retorno para todas as terras nas quais um dia supostamente estiveram, entendimento este sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal desde a Súmula 650 e mais recentemente por força do Marco Temporal de 1988.

E finalmente quanto ao direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam como sendo congênito, da própria essência do índio, antecedente ao próprio Estado, justamente por serem os primeiros habitantes destas terras, daí porque dizer que o Brasil não foi descoberto, mas invadido pelos portugueses.
Vimos que esse direito originário, congênito, objeto do indigenato, não se faz recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas não é só isso. Tal tese resta ainda inconsistente no âmbito fenomênico dos fatos, pois os índios não são donos naturais destas terras, nem foram os primeiros habitantes deste chão.

A América foi povoada por povos asiáticos que para cá vieram na última era do gelo, atravessando o Estreito de Bering, daí porque os índios como os conhecemos no sul do Brasil trazem traços asiáticos.
Ocorre que estudos arqueológicos encontraram fósseis humanos de uma mulher, “Luzia: a primeira brasileira”, comprovando que o Brasil não foi primeiramente habitado por asiáticos, os ancestrais dos índios que conhecemos, mas por povos que migraram da África, de fenótipo negroide, muito diferente do estereótipo indígena de pele avermelhada, olhos amendoados e cabelos escorridos.

Assim, os índios não foram os primeiros habitantes do Brasil, não são os donos naturais destas terras e não lhes é garantido direito territorial congênito, aliás, não lhes é garantido nenhum direito a mais que aos demais brasileiros.

Os índios tem sua história, sua cultura, seus ritos, seus mitos e seus sonhos, tal qual os não índios, tal qual eu que vos escrevo, tal qual você leitor, seja de que etnia for. Não são um povo distinto, mas compõem, pareados com os demais nacionais, o Povo Brasileiro, de modo que somos todos iguais em direitos e deveres.

*Luana Ruiz Silva de Figueiredo é advogada

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