Entrevista

Vídeo: “Sendo vítima, a mulher tem que denunciar”, afirma Alexandre Saldanha

Em entrevista ao JD1, o promotor de Justiça do MP-MS debateu temas importantes sobre violência doméstica

7 DEZ 2019 • POR Mauro Silva • 07h37
Alexandre Saldanha, promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul - Arquivo

O Jornal de Domingo abordou, na entrevista dessa semana, o tema violência doméstica. O promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, Alexandre Saldanha, tem muita experiência no assunto e esclareceu algumas questões.

JD1 Notícias – O que é a Lei Maria da Penha e para quê serve?

Alexandre Saldanha – A Lei Maria da Penha é uma legislação que veio para proteger a mulher em situação de risco, devido à violência que ela está sofrendo, mas também tem que incluir a violência de gênero: ela está apanhando de uma pessoa, mas é porque ela é mulher. Ou, ainda, essa lei foi promulgada para proteger toda e qualquer mulher em situação de violência psicológica, física e ela serve tanto para resolver questões de mulher para mulher, quando se trata de união homoafetiva; casais homens e mulheres, pode ser entre dois namorados... Algumas pessoas perguntam: ‘mas precisa estar casado?’, a resposta é não.  Aplica-se também caso estejam apenas namorando. É para isso que serve a Lei Maria da Penha.

JD1 Notícias – Existe a violência física e psicológica. Qual a diferença?

Alexandre Saldanha – A física é quando você fere a integridade física da pessoa, a pessoa leva um tapa, empurrão, caiu, torceu, se ralou, se ficou alguma lesão corporal... E a psicológica é tudo aquilo que fere a pessoa no âmbito interno dela. Ela tem um abalo moral, ou está sendo obsessivamente controlada, existe isolamento dos amigos e família. Isso é tido como um abuso mental, é violência psicológica.

JD1 Notícias – O senhor tem tido um trabalho nas escolas que leva esse tema. Como funciona esse trabalho? 

Alexandre Saldanha – Comecei em abril desse ano. Já estivemos em várias escolas públicas e particulares e mais de cinco mil alunos já foram beneficiados nas palestras. Para todas as escolas que queiram que as palestras ocorram lá, podem entrar em contato com a Promotoria, no (67) 3316-2882, ou por meio das redes sociais Instagram e Facebook. É só agendar que eu vou lá, explico todas as formas de violência que a mulher sofre e como fazer a denúncia. Sempre há muita interação das crianças e adolescentes, eles perguntam muito. A idade escolar é a partir do nono ano pra cima, porque se fosse abaixo teria que ser mais lúdica a palestra. A minha intenção é atender essa faixa de público.

JD1 Notícias – Como debater esse tema com crianças e adolescentes? É delicado?

Alexandre Saldanha – Eles entendem perfeitamente, é óbvio que nós tomamos cuidado com o vocabulário. As palestras sempre ocorrem de forma tranquila, a fim de conversar e tirar dúvidas. Algumas pessoas até perguntam acerca de algum caso concreto que estão vivenciando. A palestra tem 40 minutos e mais 20 minutos destinados a perguntas. Alguns perguntam ali no momento e outros têm vergonha, preferem perguntar pessoalmente. Eu não me importo com isso, podem vir para tirar dúvidas e fazer encaminhamento.

JD1 Notícias – A partir de qual momento a mulher pode dizer que está sofrendo uma violência doméstica? Como ela detecta isso?

Alexandre Saldanha – A partir do momento que ela está sendo cobrada dentro de casa, sobre o seu modo de ser, o seu modo de viver, se ela não consegue mais acessar seu WhatsApp, não consegue mais conversar com seus amigos e amigas, pois há aquele controle obsessivo sobre ela. Ela não pode mandar e-mail ou atender a um telefonema. O celular vibra e o parceiro já corre lá para ver quem é... Nesse momento, já existe a violência psicológica. E, daí, um dia, durante as situações do cotidiano, atividades da casa, criança doente, trocar uma fralda, tá todo mundo nervoso com a situação. Até que começam os xingamentos e um dia lá vem uma explosão, um soco, um pontapé. Então, antes que isso aconteça, quando a mulher perceber que está em um relacionamento tóxico – pois os exemplos ilustram exatamente isso – é necessário tomar as seguintes providências: denunciar, talvez procurar outro namorado, outro marido. O que não pode é viver nessa situação de violência eternamente.

JD1 Notícias – E quando a pessoa sofre violência, ela denuncia e tem direito à medida protetiva. O que isso significa?

Alexandre Saldanha – É o seguinte: a mulher vai até a Casa da Mulher Brasileira, que tem uma delegacia lá dentro; faz o Boletim de Ocorrência, demonstra quem foi o autor da violência e terá o direito à medida protetiva. O autor não poderá se aproximar da vítima a mais de 200, 300 metros. A partir daí, se ele entrar em contato, mandar um SMS, telefonar, for na casa dela, ele já está violando uma medida judicial. Se a pessoa já tem um crime por lesão corporal e quebrar a medida protetiva, vai somar mais um crime. Tem pessoas que violam por duas ou três vezes a medida protetiva. São dois ou três crimes para a pessoa cumprir depois. Não existe cesta básica prevista, e a pessoa terá que cumprir a pena, realmente. 

JD1 Notícas – A pessoa que sofre violência pode denunciar só na Casa da Mulher Brasileira? 

Alexandre Saldanha – Sendo vítima, a mulher tem que ir até a Casa da Mulher Brasileira. Lá tem a Delegacia da Polícia Civil para a mulher, temos a Polícia Militar, promotoria de justiça, juíza e psicólogos. Para lá também encaminhamos as mulheres. Se ela não quiser voltar para casa, nós encaminhamos para uma casa de acolhimento, onde ela poderá dormir e terá alimentação por três meses. E a família, o filho, serão encaminhados junto com a vítima, até que ela ache um lugar para viver.

JD1 Notícias – A respeito do trabalho nas escolas, há um material que o senhor divulga? Onde pode ser encontrado?

Alexandre Saldanha – No YouTube, ao procurar por “Alexandre Saldanha Maria da Penha” ou “Alexandre Saldanha promotor de justiça” a busca encontra um vídeo de 30 minutos, que contém o teor da palestra que eu dou nas escolas e ele também está segmentado em mais de 16 vídeos, que têm entre dois minutos e um minuto e meio. De modo que não é necessário encaminhar um vídeo grande, pois se há um trecho que interessa a alguma amiga ou familiar que precise de ajuda, é melhor mandar o vídeo menor pelo aplicativo. Nós temos também esse conteúdo no Facebook, que a busca pode ser feita da mesma forma e também no Instagram. Muita gente, que nunca teve contato com essas informações nas escolas, vem conversar comigo e dizer coisas como, ‘nossa, há muito tempo vem acontecendo isso que o senhor falou lá em casa’, porque a pessoa não tinha o acesso a essa informação. A intenção é propagar, por meio dos aplicativos, essas informações às pessoas, a fim de ajudar. De repente a criança ou o adolescente conversa com a mãe para que ela quebre esse ciclo. Ou com algum parente, ou amigo. Essa é a intenção, levar informação a todas as gerações.

JD1 Notícias – Em briga de homem com mulher, ou de mulher com mulher, mete-se a colher?

Alexandre Saldanha – Mete-se sim! Inclusive, se houver uma denúncia, ainda que de anônima, a pessoa que denunciou está exercendo sua cidadania. Temos que nos meter nessas situações e ajudar o vizinho, o irmão que talvez precise de uma ajuda. Às vezes, a vítima clama para que um vizinho ligue, pois ela não tem forças, ela está ali na situação de violência psicológica, de abuso mental e não tem forças. De modo que todos devem exercitar sua cidadania, por fazer uma denúncia, ainda que de forma anônima.

Assista a entrevista: