Entrevista

“Saí melhor do que entrei”, diz Delcídio do Amaral

O ex-senador fala da sua trajetória, do cenário político atual e do seu possível retorno

18 AGO 2018 • POR Da redação • 08h56
O ex-senador da República, Delcídio do Amaral - Divulgação/JD1 Notícias

 Em entrevista ao JD1 Notícias, o ex-senador falou sobre sua prisão, a delação que realizou e ainda das investigações realizadas pela Lava Jato. Delcídio ainda revelou a possibilidade de disputar a prefeitura em 2020.

JD1 Notícias – O senhor passou três meses preso. Sua visão de vida mudou como nesse período?
Delcídio do Amaral –
Mudou muito. Porque a pessoa rebobina a própria vida. Avalia tudo que fez, o que acertou e pode melhorar e o que errou. Ao mesmo tempo, passamos a ter uma disciplina enorme de vida. Parece incrível. Uma rotina de exercícios, de estudos. Eu li muito ao longo desse tempo, estudando o próprio processo. E, ao mesmo tempo, eu tenho uma família de formação religiosa forte e pude exercitar tudo isso com muito mais intensidade. Então, sem dúvida nenhuma, um aprendizado espetacular. Pra mim ficou muito claro, eu saí melhor do que entrei, apesar de todas as dificuldades e tudo o que enfrentei.

JD1 Notícias – Nesse processo todo o senhor acabou fazendo uma delação. Há quem diga que o Senado deveria absolvê-lo algumas semanas depois e que essa delação acabou sendo um erro. Isso procede? O senhor seria absolvido no Senado?
Delcídio do Amaral –
Não. O Senado deu um sinal muito claro quando fui notificado. Eu estava recluso e isso aconteceu na última semana de dezembro. Quando alguém é notificado no Conselho de Ética começa a contar o prazo da sua defesa. Ali eu entendi qual era o recado. Era um “cabra marcado para morrer”. Na política se entende bem essas coisas. Porque a política é implacável quando surge problemas. E quando o Congresso, em uma situação de vulnerabilidade,  precisa tomar alguma decisão. Naquele momento eu entendo que o sinal estava dado. O tempo começou a correr, eu recluso, sem possibilidade de preparar adequadamente a minha defesa. Fui simplesmente fuzilado, porque não tive sequer direito a periciar a gravação, apresentar testemunhas, nada. Eu fui sentenciado. E o raciocínio é o seguinte: vai o Delcídio, ficamos nós. Ali é que abriram realmente a porteira. Por ali, em função disso que ocorreu comigo, veio o impeachment da ex-presidente Dilma, vieram os processos todos, que atingiram senadores, deputados e sobreveio o caso Aécio. Aí o raciocínio foi totalmente ao contrário: fica o Aécio, senão vamos nós. E hoje o Congresso entende, e o Senado, especialmente, que eles cometeram um grande erro, inegavelmente foi um equívoco. Eu não entro nem no mérito do processo em si, mas foi um equívoco. É só olhar quais os parlamentares que passaram por situações parecidas com a minha ou que passaram por conselho, quantos foram notificados. Nenhum. No Senado e na Câmara. O Congresso aprendeu muito com o que aconteceu comigo.

JD1 Notícias – O que a Lava Jato teve de bom e de ruim?
Delcídio do Amaral –
Acho que a Lava Jato teve de bom uma investigação ampla, que atingiu vários setores, não só das estatais, das empresas, mas também do Congresso. Uma investigação sofisticada, que usou tecnologia para analisar todos os fatos e que sem dúvida nenhuma vai cumprir um papel importante na construção desse Brasil que todos esperamos. E acho que, como qualquer operação nesse nível, com essa dimensão, ela traz equívocos. Às vezes decisões inadequadas em determinados momentos, às vezes decisões precipitadas, que poderiam ser melhor administradas. De um modo geral, o saldo é muito bom.

JD1 Notícias – Naquele momento, apesar de se constatar que muitos projetos envolviam corrupção, o país vivia um momento de "boom" na economia. Isso será retomado?
Delcídio do Amaral –
Tem que ser, porque o Brasil precisa andar. A lei 12.850, que aprovamos no Congresso, é copiada de uma lei americana. Os americanos tiveram muito cuidado ao aplicar essa lei. Elas podem até penalizar os empresários, mas elas não acabam com as empresas. Aqui, acontece um problema com quem é empresário, se vai fazer a leniência e se acerta, por exemplo, com o Ministério Público, o TCU não concorda. Se a pessoa se acerta com o TCU, a CGU não concorda, e a empresa vai ficando à deriva e o empresário acaba não tendo condições de tocar os negócios. Então, acho que esse foi um grande problema, de toda essa operação. Não pelo trabalho que foi realizado, mas pela burocracia e pela disputa por espaço dos órgãos de controle. Esse foi, talvez, o problema maior que enfrentamos, sem dúvida nenhuma. Eu acho que foi o choque entre as várias instituições de controle que levaram à paralisação de várias empresas.

JD1 Notícias – O que acontecerá em outubro, no segundo turno, em relação à presidência da República, na sua visão?
Delcídio do Amaral –
Acho que não é uma situação fácil. O Brasil está enfrentando hoje um desgaste grande nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. E hoje  temos praticamente três candidaturas. Um de centro, de certa maneira incorporada pelo ex-governador Alckmin. Uma candidatura de direita, que, em tese, foi incorporada pelo Bolsonaro. E uma candidatura de esquerda, que pode eventualmente ser a candidatura do Haddad. A esquerda está muito dividida e se ela continuar assim não vai para o segundo turno. Tem muitos candidatos no campo de esquerda. Isso é histórico no Brasil, toda vez que a esquerda não se juntou, ela perdeu.

JD1 Notícias – Só o Lula une a esquerda?
Delcídio do Amaral –
Sem dúvida nenhuma. Ele é tão forte que, mesmo preso, tem 30%. Isso quer dizer que, primeiro, a liderança política que ele tem é inegável, e outra coisa, as pessoas começaram a tirar o pé, pois já não estão entendendo bem o que está acontecendo. Já há uma confusão entre o Lula “político preso” ou “preso político”. Isso já é um sinal de que o processo está se desgastando e a população não está nem entendendo mais como as coisas acontecem. Eu passei por isso na CPI dos Correios. Estávamos estendendo demais e chegou a um momento que tínhamos tanto material que tivemos que parar para não perder o relatório conclusivo das investigações e todo o trabalho realizado. Se não tivesse parado, nós teríamos deteriorado lentamente.

JD1 Notícias – Esse processo começou sob seu comando?
Delcídio do Amaral –
Sim, foi na CPI dos Correios. Eu sofri e sofro até hoje por causa da CPI, exatamente por que tive isenção para que investigássemos. Depois veio o mensalão e o petrolão. Ou seja, naquela época já tínhamos a essência do que tinha acontecido. O mérito do que aconteceu a posteriori na CPI dos Correios já tinha aparecido claramente e ali, como o governo balançou, precisaram montar uma maioria sólida para seguir em frente. Então veio a fase do petrolão e a fase da partilha política das empresas estatais.

JD1 Notícias – Aqui no Estado teremos Azambuja, Odilon e Mochi. Para onde o Estado caminha, em sua visão, independente de nomes?
Delcídio do Amaral –
Acho que o MS está em uma situação difícil. Pouca coisa aconteceu ao longo desse período, a situação financeira do Estado é difícil e é um problema que já se arrasta a um bom tempo. Ele não é de agora. Acho que precisamos pensar nisso de forma mais sistematizada. Olhar nossas vocações regionais, mudar um pouco o Mato Grosso do Sul de economia primária. O Estado tem um potencial enorme para agregar valor nas coisas que tem e, associado a isso, uma logística forte, o que gera competitividade e para o integrar não só com os Estados mais ricos da federação, mas com os países vizinhos. Mato Grosso do Sul tem uma posição geopolítica absolutamente extraordinária e um desenho, sob o ponto de vista de logística de escoamento, extraordinário. É uma Mesopotâmia. Tem Rio Paraguai de um lado, Rio Paraná do outro, uma ferrovia que tem que ser resgatada, cruzando o Estado de Oeste para Leste e com isso viabilizando, por exemplo, a Vale do Rio Doce, o escoamento da produção de minério lá em Corumbá. E o gás natural. Posso falar sobre isso por que eu era diretor da Petrobras quando implantamos o gasoduto e definimos que toda a Receita do ICMS do gás natural fosse arrecadada no nosso Estado. Criar uma indústria de transformação em cima do gás. Acho que o Estado tem que pensar nisso.

JD1 Notícias – O ex-governador André Puccinelli foi preso num momento em que ele começava a ganhar pontos em várias pesquisas. A saída dele do processo enfraquece o MDB. Quem ganhou mais com isso, na sua opinião, o Reinaldo ou Odilon?
Delcídio do Amaral –
Mais o Reinaldo. Politicamente não tenho dúvida nenhuma. O Odilon também ganhou, mas não tanto quanto o Reinaldo. De duas semanas para cá, politicamente o Reinaldo cresceu, só não vê quem não quer. Montou chapas muito fortes para o Senado, Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa. Agora, uma coisa é estruturação na política, outra coisa é a eleição. E, por outro lado, se vê um desgaste grande do MDB, não só pelo que aconteceu com o André, mas por essas idas e vindas de candidatos, que só demonstra que o André é o único líder, quem poderia aglutinar essas forças.

JD1 Notícias – O senhor disse que é candidato, foi absolvido mas tem um decreto de cassação que precisa ser revisto. Juristas ouvidos pelo Jornal de Domingo disseram que o processo não acontece antes da eleição. O senhor concorda com isso?
Delcídio do Amaral –
Está muito claro o seguinte: tem dois tempos diferentes, um é o tempo da eleição e o outro é o tempo da Justiça. O tempo da Justiça não necessariamente é o tempo da eleição. O Direito é muito bom, a decisão do juiz Ricardo Leite é muito robusta. Quanto à recuperação dos meus direitos políticos, isso vai acontecer, por causa do fator gerador, com a minha absolvição e minha inocência perde-se a suspensão dos direitos políticos. Meus advogados estão fazendo uma avaliação de quais medidas cautelares que serão tomadas, e dentre elas uma liminar. Até 20 dias antes das eleições é possível fazer substituições nas candidaturas. De modo que há um prazo para trabalhar. Estou tranquilo por uma razão, eu resgatei a minha honra, da minha família, dos meus amigos e das pessoas que sempre confiaram em mim. Política agora é uma questão de tempo. Na política eu já me reposicionei. Eu, que tenho uma folha de serviços prestados nesse Estado, onde viabilizei mais de R$ 2 bilhões de recursos federais para investimentos nos 79 municípios. Acho que poucos políticos andaram em MS como eu andei. Todo mundo sabe o que eu fiz. Não há um município desse Estado que não tenha investimentos, recursos que eu viabilizei no Governo Federal. Estou no jogo, sentado no banco de reservas, a qualquer hora entro no campo. Pode ser agora ou depois.

JD1 Notícias – Em 2020 o único cargo que lhe encantaria seria a prefeitura de Campo Grande?
Delcídio do Amaral –
Talvez. É uma cidade de gente progressista, trabalhadora. Uma cidade que tem um potencial enorme de crescimento. É preciso ter uma visão maior para saber o que Campo Grande pode proporcionar para os que aqui vivem, sob o ponto de vista de prestação de serviços.

JD1 Notícias – Depois de inocentado, o senhor sentiu raiva em relação àqueles que utilizaram mecanismos judiciais para lhe prender?
Delcídio do Amaral –
Não, eu já esqueci eles. Eu não guardo mágoa de ninguém, mesmo tendo sido preso. Sei que isso não adianta nada, não podemos ser reféns do passado. Precisamos aprender com ele, mas não ser refém. Ou, a vida acaba, tanto no presente quanto no futuro. Eu aprendi muitas coisas. A vida está nas coisas simples. Este foi um filme difícil que eu protagonizei, mas passou.

JD1 Notícias – Por tudo que o senhor está vendo, o Brasil e Mato Grosso do Sul vão sair ganhando com as coisas que estão sendo anunciadas esse ano?
Delcídio do Amaral –
Estou cético. Acho que o Brasil vai enfrentar dificuldades nos próximos quatro anos, talvez até oito, porque as medidas que tem que ser tomada são duríssimas. Até recolocar as coisas nos devidos lugares, isso não vai acontecer simplesmente por causa da eleição de um novo presidente ou de um novo governador. O país está passando por uma situação muito difícil.