Em sessão da 5ª Câmara Cível, realizada na última terça-feira (11), os desembargadores, por unanimidade, proveram o recurso de apelação consistente no pedido de retificação de registro civil para determinar a mudança de nome e gênero constante nos documentos.
Em síntese, sustenta a apelante que não há dúvidas sobre a verdade quanto a sua identificação de gênero, tendo em vista que desde tenra idade apresentava modos peculiares às pessoas de sexo masculino e, devido ao fato de ter nascido sob o sexo feminino, desde os doze anos passou a fazer uso de medicamentos para não menstruar, bem como de faixas para disfarçar os seios.
Conta ainda que, quando completou 18 anos, em razão dos inúmeros constrangimentos que havia sofrido por conta de sua identidade de gênero oposta a de seus registros e da insatisfação com a vida que levava, mudou-se para o Japão, mas quando retornou ao Brasil, em busca de emprego, chegou a ser convocada para algumas entrevistas, mas que sempre foi dispensada em razão dos dados dos seus documentos pessoais não condizerem com sua aparência física.
Portanto, solicitou que fosse retificado, além de seu nome, o gênero no seu assento de nascimento. No entanto, em sua sentença de primeiro grau, o juiz entendeu que, ausente a cirurgia de redesignação de sexo, o pleito de retificação de gênero feminino para masculino deveria ser indeferido, pois, em sua concepção, “a verdade real é o sexo biológico que deve constar nos documentos públicos”.
No entanto, alegou a apelante que, quando passou a fazer acompanhamento psicológico, o profissional responsável expediu laudo atestando que esta apresentava "quadro de transexualidade" e lhe recomendou, assim como seu endocrinologista, a realização de cirurgia de redesignação de sexo e o uso de medicamento para hormonioterapia, sendo que não a fez porque ainda não conseguiu sequer agendar consulta com médico psiquiatra por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
O membro do parquet pontuou que o registro civil não pode servir de instrumento discriminatório àquele indivíduo que comprovadamente possui disfunção de gênero, e que não se pode desconsiderar que o ordenamento jurídico tem por fundamento basilar o princípio da dignidade da pessoa humana, onde o nome das pessoas é a forma pela qual ela se relaciona com seus pares.
O relator do processo, Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, entendeu que a exigência da sentença de primeiro grau é violadora do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como do direito à identidade, à não discriminação e à felicidade, e que não merece subsistir.
Citou, ainda, um voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, destacando que “a exigência de cirurgia de transgenitalização para viabilizar a mudança do sexo registral dos transexuais vai de encontro à defesa dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos...por condicionar o exercício do direito à personalidade, à realização de mutilação física, extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)”.
“Posto isso, conheço do recurso e, com o parecer, dou-lhe provimento para determinar a retificação do nome e do gênero da requerente em seu assento de nascimento”, concluiu o Des. Luiz Tadeu.
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