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Leishmaniose: eutanásia é questionada por veterinários

Veterinário afirma que sacrifício dos animais pode motivar propagação da doença

30 julho 2016 - 09h36Júlia de Freitas

Um dos maiores problemas de saúde pública enfrentados hoje em Campo Grande é a temida leishmaniose.  Causada por um protozoário do gênero Leishmania, a doença é transmitida através da picada de um mosquito Flebotomíneo (Lutzomyia longipalpis) (vetor) que mede de dois a três milímetros, conhecido popularmente como mosquito de palha, tatuquira ou birigui. 

De continuidade crônica, nos humanos, a doença causa anemia, fraqueza, problemas respiratórios, acessos de febre intermitente e perda de peso. Já nós cães, também hospedeiro definitivo da doença, os sintomas são descamação, queda de pelo, ferimentos em pontas de orelhas, focinhos e patas, além de apatia e crescimento exagerado das unhas. Mas uma das questões ainda mal respondidas sobre a tão temida doença é: o cão, quando diagnosticado com leishmaniose, é um perigo para a saúde pública?

Nas ruas, a informação é que um cão com leishmaniose deve ser sacrificado para não transmitir para os humanos. Mas este medo tem base? Polêmica, a questão divide órgãos públicos, médicos veterinários e proprietários de cães.

Em Campo Grande, a situação é ainda mais problemática. Segundo o médico veterinário Drº André Fonseca, um em cada quatro cães na Capital são portadores da doença. O veterinário afirma que, diferente do propagado por órgãos públicos, a leishmaniose pode sim ser tratada e um cão portador da doença não é necessariamente elemento transmissor do vírus. "O cão é um hospedeiro apenas. A leishmaniose é como a dengue, ou seja, não há problema nenhum na convivência com uma pessoa infectada em tratamento", disse.

 A presença do animal doente em casa simplesmente indica que há presença do vetor, no caso o mosquito, naquele ambiente. Daí veio a falsa ideia de que os cães estariam transmitindo a doença para seus proprietários.  "Com o tratamento, o cão deixa de ser um reservatório ativo e, por isso, não é mais um transmissor”, afirmou também o veterinário Leonardo Maciel.

Não apenas sem base, a eutanásia como forma de controle além estar sendo se mostrado ineficaz, visto que os índices da doença não mostraram qualquer diminuição. No ano passado, nove bairros de Campo Grande foram identificados pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) como regiões endêmicas da doença.  De acordo com dados da SES (Secretaria Estadual de Saúde) em relatório no ano de 2014, de janeiro a 20 de novembro do ano de 2013 foram registrados 207 casos com 23 mortes causadas pela doença. Desde 2010, houve aumento de 43,75% no número de óbitos."Vão na sua casa, pegam o cachorro infectado e sacrificam, o proprietário vai e adquire outro animal e coloca no mesmo ambiente, que atraiu o mosquito vetor, ele fica doente também. Ele mata seu cachorro e o mosquito continua lá ", explicou Fonseca.

Para os defensores do tratamento nos cães infectados, a forma mais eficaz de se combater a doença é evitar o verdadeiro transmissor, o mosquito. O "mosquito de palha" se atrai por lugares com matéria orgânica e sujeira, além de ter hábito noturno. As recomendações, portanto, são de manter sempre o quintal e o canil limpos, além de utilizar de uso de repelentes e de lugares telados, evitando assim, a picada do mosquito, tanto em humanos quanto em cães. “Este controle higiênico deve ser feito pelos próprios proprietários do cão”, disse o doutor. O uso de produtos como mata piolho ou óleo inseticida no animal também deve surtir efeito repelente ao mosquito.

Também existe uma vacina que visa proteger os animais da doença. Em novembro de 2014, O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) suspendeu a licença de fabricação e comercialização da Vacina Leishmune, de propriedade da empresa Zoetis Saúde Animal. A justificativa do órgão foi a de que a vacina não atendeu completamente os requisitos para estudos que deveriam comprovar a sua eficácia.? Agora, a única no mercado brasileiro é a Leish-tec, produzida pela empresa Hertape Calier Saúde Animal. A vacina comprovou em testes realizados uma eficácia de 96,4%. A Leish-Tech, entretanto, tem um valor 30% mais caro do que a antiga Leishmune, dificultando o acesso da população ao método preventivo. Hoje, o valor gira em torno de R$160 a dose. Já o preço do tratamento com medicamentos varia e depende dos sintomas e nível da doença no cão.

O Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Campo Grande não obriga, mas recomenda a eutanásia do animal após o diagnóstico. No Hospital Veterinário da Universidade Federal, os médicos realizam apenas o diagnóstico da doença. O tratamento, apesar de legal, ainda não é oferecido. "É uma briga recheada de mentiras. É órgão público pressionando outro", comentou o Drº André sobre a falta de tratamento da doença pelo HV.

A Secretaria Municipal de Saúde Pública (Sesau) de Campo Grande afirma na página que "A doença se pega após a picada do mosquito, quando o protozoário atinge a circulação sanguínea do cão, iniciando a sua multiplicação e a infecção do animal. A partir deste momento, o cão torna-se fonte de infecção para os flebótomos que, por sua vez, podem contaminar outros cães e humanos." (http://www.pmcg.ms.gov.br/sesau/canaisTexto?id_can=3416)

Tanto o Conselho Nacional de Medicina Veterinária quanto o Ministério da Saúde ainda não reconhece o tratamento da leishmaniose canina e recomenda a eutanásia como forma de controle.

O que a lei diz

Após interpelação da ONG de Campo Grande Abrigo dos Bichos, O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) declarou em junho deste ano a nulidade da Portaria interministerial dos ministérios da Saúde e Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Portaria n° 1.426/2008, que proíbe o tratamento de cães com Leishmaniose Visceral Canina por meio de produtos de uso humano. Pela falta de medicamentos veterinários disponíveis para o combate à doença, o tratamento acabava por se tornar ilegal. Na 3º Região, composta por São Paulo e Mato Grosso do Sul, agora o tratamento é permitido.

 A Justiça entendeu que a proibição não poderia ser mantida através de uma portaria, norma inferior, por esta conflitar com uma norma superior.  A Lei Federal de Crimes Ambientais 9605/98, diz no capítulo V, artigo 32, que é crime praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena é de prisão de três meses a um ano, e multa. A pena é aumentada de um sexto a um terço em caso de morte do animal. Pelo artigo 225 da Constituição Federal, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Cabe ainda ao poder público “proteger a fauna e a flora, vedadas, no forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Na Declaração dos Direitos Animais, da qual o Brasil é signatário,  também está previsto que “Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem. Nenhum animal deverá ser submetido a maus-tratos e atos cruéis. O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um delito contra a vida”.

Em 2011, o deputado federal Geraldo Resende (PMDB/MS) apresentou o Projeto de Lei 1738/2011, que prevê o fim da eutanásia como método de controle da leishmaniose em cães.  De acordo com a proposta do deputado, o sistema de saúde pública deve implantar uma política nacional de vacinação e tratamento de animais.“O debate sobre o tema é fundamental. Esta doença está em 12 países da América Latina, mas 90% dos casos são registrados no Brasil”, nota o deputado, para quem é possível estabelecer um programa de tratamento em alternativa à eutanásia canina. “A prática do sacrifício indiscriminado é inaceitável na Europa. Em diversos países existem estudos científicos e mobilização de médicos veterinários e criadores de cães contra esta ação”, disse Resende.

Sobre a possibilidade de tratamento dos cães infectados, o deputado ainda afirmou ser confiante em relação à minimização dos sintomas da doença. “Há diversos protocolos de trabalhos científicos exitosos nesta área, além disso, me parece mais racional tratar a exterminar cachorros e gatos. Proponho a vacinação dos animais, bem como a possibilidade de curar os animais infectados”, disse

Até o fechamento desta matéria, o CCZ não enviou os dados solicitados pela redação sobre o número de casos de leishmaniose canina e sobre os resultados da eutanásia como método de controle.

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