Recém-empossado presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul Paulo Cezar dos Passos falou sobre sua carreira e que ele vive o melhor momento de sua vida, mas destacou que pagou um alto preço, pois teve que abrir mão de muitas coisas. Paulo também destacou a reforma da Previdência e sua importância para o país.
JD1 Notícias – Boa parte dos delitos que acontecem hoje tem um viés da internet. O Ministério Público tem estrutura para enfrentar uma “quadrilha digital”?
Paulo Passos – A sociedade hoje é globalizada e tecnológica, e, nesse cenário, o crime também se aperfeiçoou. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul, desde 2016, investiu quase 20% do seu orçamento em tecnologia. Atualmente, nos temos um Centro de Informação (CI), temos computadores poderosos, firmamos convênio com o Ministério Público Federal, Polícia Federal e com centro de inteligência de outros Estados. Também temos um banco de dados que permite alimentar os promotores e o Ministério Público com informações que fazem com que atuemos no combate a toda espécie de criminalidade e, principalmente, a digital. Hoje, temos em nosso quadro pessoas que vieram da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que desenvolvem, com os servidores e membros dos Ministério Público, um trabalho de inteligência na área de crimes tecnológicos.
JD1 Notícias – Recentemente, em um caso de uma quadrilha que atuava no ramo de contrabando de cigarros, um aparelho de telefone de um integrante da mesma foi enviado aos Estados Unidos para perícia. Isso significa que não temos tecnologia em nosso país para este tipo de investigação?
Paulo Passos – Nós temos tecnologia, sim e o Ministério Público de Mato Grosso do Sul já a adquiriu para extrair dados de celular. O problema é quando as informações, não do celular, mas de inteligência estão em bancos de dados de outros países. Daí, se faz necessário esse procedimento, no termo de cooperação feito como o Ministério Público Federal, para que possamos, por meio disso, ter acesso a bancos de dados alocados em outros países.
JD1 Notícias – Na próxima eleição para procurador poderá ter promotores concorrendo. Isso é um avanço?
Paulo Passos – Pela primeira vez, o MP-MS possibilita que promotores, com mais de 35 anos de idade e dez de anos de carreira, possam concorrer ao cargo de procurador-geral. Atualmente, no Brasil, somente quatro Estados não permitem que promotores concorram ao cargo. Enfim, é um avanço. Na realidade, é uma democratização. Mas também significa o amadurecimento dos promotores e promotoras que irão escolher os candidatos. O fato de ser promotor ou procurador não significa que é apenas por esta qualidade que a pessoas está apta a comandar o MP, já que devem ser escolhidos os que têm capacidade, equilíbrio e experiência de conhecimento da máquina institucional para administrar o MP-MS. Uma vez que o procurador-geral atue como chefe da instituição ele deve trabalhar com harmonia e independência dos demais poderes.
JD1 Notícias – No meio político já ouvimos que haveria uma determinação mais forte do MP quando algum fato for direcionado a algum membro do judiciário. Qual a realidade ou ficção disso?
Paulo Passos – Isso é algo absolutamente equivocado, pois o Ministério Público não age com maior ou menor rigor, seja um membro do Poder Judiciário, agente do Poder Executivo ou do Legislativo. O MP age baseado em provas e nós, do Mato Grosso do Sul, temos um poder Judiciário de extrema qualidade, reconhecido inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com juízes e desembargadores que honram o Estado sul-mato-grossense. Cabe ao MP, no entanto, qualquer que seja a notícia em um eventual ilícito, e é algo que só pode ser apurado pelo próprio Tribunal de Justiça, mas, no ato da improbidade compete ao procurador-geral a investigação dos fatos para serem apurados e, se forem validados, a devida responsabilização dos agentes.
JD1 Notícias – Qual o percentual de denúncias consideradas ineptas ou improcedentes dentro do MP-MS?
Paulo Passos – Na realidade, temos que fazer uma distinção, pois quando chega uma denúncia ao MP, seja ela anônima ou identificada, ela passa por determinação do conselho nacional do MP, por uma análise e pelo protocolo, ou seja, qualquer denúncia gera estatística. Com isso, a denúncia só vai adiante se for verossímil, e, mesmo depois de ir adiante, é possível que ao fim do processo o problema que inicialmente foi identificado seja resolvido. Hoje, nós temos um número aproximado de 80% das denúncias que são resolvidas sem atuação judicial, agora, isso não significa que são denúncias improcedentes, mas sim denúncias que foram resolvidas no âmbito extrajudicial, por meio de uma atuação resolutiva do MP, em que, de maneira espontânea, no caso do poder público, por exemplo, que ele mesmo soluciona a questão ou por meio de um termo de um ajustamento de conduta. O que também pode ser resolvido no âmbito dos particulares, como acontece na área do meio ambiente, em desmatamento, invasão ou utilização equivocada em local de preservação permanente, já que o próprio proprietário resolve o problema e o Ministério Público apura o ocorrido por meio de uma perícia. Esse número de 80%, que não vira ações judiciais, não significa que são improcedentes, mas significa que foi resolvido de forma administrativa.
JD1 Notícias – Recentemente, em uma noticia que foi divulgada pelo JD1 em primeira mão, um caso foi interpretado de forma completamente diferente entre dois promotores do MP-MS. Inclusive, o seu representante do Tribunal de Justiça votou contra a interpretação de um segundo promotor que mandou dar seguimento a uma denúncia improcedente, julgada depois. Como o senhor analisa essa conduta, é falta de sintonia, de informação ou independência excessiva?
Paulo Passos – Nesse julgado específico o Tribunal decidiu por 2 a 1 em não prosseguir e o desembargador de outro Ministério Público votou pelo prosseguimento das investigações. Na realidade, no Ministério Público o promotor tem independência funcional, mas o mesmo fato não pode ser objeto de análise duas vezes por membros diferentes do Ministério Público. É necessário que haja uma segurança jurídica, no entanto, é possível que, com fatos diferentes ou provas novas, o mesmo caso seja reavaliado e a investigação reaberta.
JD1 Notícias – Por dois mandatos o senhor esteve no ápice da carreira e daqui a um ano o senhor não estará mais à frente do MP. Valeu a pena esses dois mandatos?
Paulo Passos – Eu completo, em maio do próximo ano, quatro anos à frente do MP, tive a honra de ter sido eleito por todos os procuradores-gerais para ser presidente do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e da União. E é claro que valeu a pena, pois nos meu 27 anos atuando no MP tive a oportunidade de ocupar os cargos mais relevantes da instituição e isso me possibilitou, tanto como profissional como na vida pessoal, um amadurecimento. É obvio que exercer a chefia do Ministério Público tem um preço alto, na vida pessoal e profissional e eu paguei esse preço. Ficar exposto a críticas é um deles, afinal o agente público deve estar aberto às diversas opiniões da sociedade, já que isso faz parte de um regime republicano e democrático. Mas, apesar dos percalços que são naturais ao próprio regime da democracia, eu posso dizer que valeu a pena, pois eu acredito que o MP nacional e o de Mato Grosso do Sul são os principais protagonistas, não os únicos, mas os que mais se destacam na transformação que a sociedade brasileira vem sofrendo, desde a Constituição de 88.
JD1 Notícias – O senhor assumiu a presidência de um colegiado que coloca Mato Grosso do Sul na liderança de todas as procuradorias regionais do Brasil, algo que ocorre no momento da reforma da Previdência. Que postura o senhor terá perante isso, será corporativista?
Paulo Passos – Esta é uma discussão que se trava entre todos os procuradores-gerais. No momento em que o país passa, de grave crise econômica, política, ética e moral, é importante que seja feita uma discussão acerca da reforma da Previdência, para que o Brasil possa ter recursos a serem investidos em setores que são carentes, como educação, saúde e segurança. O país precisa de dinheiro, além de uma discussão da reforma e um aprimoramento dos seus instrumentos políticos e jurídicos, a fim de possibilitar que tenhamos um Estado menos pesado, mais ágil e que atenda de uma maneira mais célere e eficiente ao interesse do cidadão. Em resumo, o Ministério Público brasileiro não será contrário, mas queremos discutir esse tema, para que seja aprovada uma reforma justa para todos.