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Entrevista A

“A vítima precisa de apoio”, afirma Bruna Oliveira

Ela resume os momentos tensos que viveu ao lado do ex-marido durante sete anos de casamento

01 junho 2019 - 09h23Mauro Silva    atualizado em 01/06/2019 às 09h47

“As mulheres sofrem com agressões dentro da própria casa, lugar este que deveria servir de refúgio e não ser um ambiente de medo e terror”. Com essas palavras, Bruna Oliveira dos Santos, de 29 anos, resume os momentos tensos que viveu ao lado do seu ex-marido durante sete anos de casada. Ao JD1 Notícias, Bruna revelou que sofreu todo tipo de violência vinda daquele que se dizia seu protetor.

JD1 Notícias – Fale um pouco sobre seu histórico de violência, durante o casamento. 

Bruna Oliveira – Sofri com agressões físicas, além de uma tentativa de feminicídio, já que em novembro de 2017 meu ex-marido invadiu minha casa, me agrediu e quebrou meu braço. O que mais me marca é que durante toda a agressão eu pedia socorro a todo tempo, eu corri pelas ruas do bairro, me escondi, mas ele [o agressor] me perseguia e ninguém acendeu a luz das casas aonde gritei por socorro. E, nessa fuga, ele me encontrou na rua e me atropelou com a moto. Quando eu estava no chão ele me chutou várias vezes na cabeça e nas costas. Achei que não conseguiria fugir mais dele, desisti e apenas fechei os olhos, acreditando que iria morrer. Fiquei desacordada, não sei por quanto tempo, quando abri os olhos e percebi que o meu ex-marido discutia com algumas pessoas na rua. Desorientada, eu pedia às pessoas que chamassem a polícia, fiquei com o rosto desfigurado e com o braço quebrado e toda ensanguentada. Todos perguntavam a ele o que tinha acontecido, o motivo das agressões, ele apenas respondia que era briga de marido e mulher e nisso ele fugiu. As pessoas foram embora e me deixaram sozinha no local, fiquei com medo do meu ex-marido vir atrás de mim novamente, então saí do local. Algum tempo depois, a polícia me encontrou em um terreno baldio em estado de choque. Eu não sabia o que era verdade ou não, se tudo aquilo era real. No início [das agressões], ele começou com comentários maldosos sobre o meu peso, meu cabelo ou minhas roupas. Ele não gostava dos meus amigos, e, segundo ele, tudo isso era para cuidar de mim. Com um ano e meio de relacionamento vieram as agressões físicas, uma coisa sutil, mas esse tipo de violência é progressiva. Um dia foi um empurrão, no outro um soco e assim piorou. Sempre é o mesmo processo: depois vêm os pedidos de desculpas com a justificativa de que estava nervoso. Ele prometia, depois da violência, que nunca mais repetiria o erro. Havia também a violência sexual, seguida das agressões, pois, para ele, isso era uma forma de reconciliação. Ele dizia que se eu não atendesse ele iria atrás de outra pessoa; isso me deixava abalada e eu cedia ao pedido dele. Tudo acontecia porque ele era machista, tudo o que eu fazia era pouco, desde o meu salário até os meus investimentos na casa. Ele sempre me menosprezava, tudo o que ele fazia era bom, já o que eu fazia, não.

JD1 Notícias – Como você reagiu a isso?

Bruna Oliveira – Foram sete anos convivendo com todo o tipo de abuso, nunca o denunciei e também não contava a ninguém sobre o ocorrido, nem falava para minha família. Eu achava que eu era a responsável por muitas situações e tinha vergonha, além de temer o julgamento das pessoas. Isso atrapalhava até meu trabalho, pois eu não parava em emprego nenhum, já que faltava muito.

JD1 Notícias – Que tipo de apoio recebeu da família e dos amigos?

Bruna Oliveira – Minha família é muito unida e esse tipo de violência nunca havia acontecido. Tenho certeza de que se eu saísse do convívio familiar acredito que eles achariam muito estranho. Mas eu não contava aos meus pais que meu companheiro, na época, me tratava com violência. E foi muito doloroso aos meus familiares quando eles souberam das agressões.  

JD1 Notícias Quando você resolveu trazer sua história a público, como um alerta para denunciar a violência?

Bruna Oliveira – Como eu fiquei por muito tempo sem denunciar ele, eu achava que não era necessário. Resolvi me separar em setembro de 2017, depois de uma tentativa de estrangulamento. E nesse dia decidi acabar com isso, falei para ele ir embora de casa e caso ele não fosse eu o denunciaria. Minha ameaça não era real, falei isso para que ele fosse embora e não fui à polícia fazer denúncia, sabia do risco que corria. E assim não rompi o vínculo com ele. Mesmo separados ele insistia em voltar, mas eu não voltava. Eu sempre mantinha contato com ele, e as promessas eram as mesmas, de que tudo mudaria, embora eu soubesse que não iria mudar. Só consegui levar o caso às autoridades quando houve a violência mais grave, em novembro de, também, 2017, quando cheguei muito perto da morte.

JD1 Notícias – É possível confiar na proteção do poder público?

Bruna Oliveira – Fique quatro dias internada após a última agressão e, nesse período, as delegadas da Delegacia da Mulher (Deam) foram no hospital e colheram o meu depoimento, me concederam medida protetiva provisória, e o meu ex-marido foi preso no mesmo dia em que me agrediu. Como eu consegui falar o nome dele aos policiais, no dia do ocorrido, os militares conseguiram o nome da mãe dele, foram até a casa dela e lá estava o meu agressor, dormindo. Meu ex-marido ficou preso desde o dia da última agressão, pois ele já tinha outro processo pela Lei Maria da Penha, de quando agrediu a ex-mulher, do primeiro casamento. Sempre que falávamos sobre isso, ele disse que a ex-esposa era descontrolada e eu acreditava. Alguns dias, já na casa da minha mãe, fui à Delegacia da Mulher para buscar minha medida protetiva definitiva, além de perguntar como proceder.  Eu sabia que precisava de um acompanhamento psicológico, senti essa necessidade. Na Deam eles me deram minha medida protetiva, os boletins de ocorrência e fui encaminhada para o MP-MS, Ministério Público de Mato Grosso do Sul, para entender sobre o processo. Passei por atendimento psicossocial na Casa da Mulher Brasileira e também fui dirigida ao Centro de Atendimento à Mulher (Ceam). Hoje, sou grata ao Centro, pois lá tive a clareza do que aconteceu comigo, já que antes eu sentia culpa pelas agressões que sofri. Depois do atendimento no Ceam pude me conhecer como mulher e ver que eu não precisava sentir vergonha do que aconteceu. Eu me entreguei a todos os serviços, eu confiei no poder público e tive respostas de todos os lados. Não fui mal atendida, fui muito bem-assistida. É muito importante denunciar, muitos dizem que a media protetiva é apenas um papel, mas é por meio dela que podemos nos defender e o procedimento funciona, é um mecanismo de defesa. Durante o meu tratamento surgiu uma oportunidade de trabalhar na Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres, que hoje é o que me move. Em muitos lugares que visito, falo o que me aconteceu, pois muitas mulheres não percebem que sofrem violência, de modo que eu mostro os meus problemas a quem precisa. 

JD1 Notícias De que forma a imprensa pode ajudar? O que há de certo e de errado na forma como a mídia aborda os casos?

Bruna Oliveira – Acho que o papel da imprensa é muito importante em alguns pontos, pois precisamos incentivar o ato de falar, necessitamos trazer às pessoas essa discussão. O assunto violência doméstica, conhecido como briga entre marido e mulher, é algo tabu, as pessoas não falam a respeito, não se envolvem e muitas minimizam o problema. Só que esse tipo de violência pode levar à morte, as mulheres morrem mais dentro de casa, lugar que deveria ser o refúgio delas. A imprensa precisa trazer a discussão e falar sobre o problema.  Agora o erro da mídia, muitas vezes, é o sensacionalismo, pois isso é como expor a mulher. A agredida precisa dos jornais para falar, mas precisa também ser respeitada, respeitar o espaço de cada uma e, antes de mais nada, é importante a imprensa saber se a agredida quer falar ou não.

JD1 Notícias– A mulher que é vítima de violência sistemática deve fazer o quê?

Bruna Oliveira – A mulher que sofre violência precisa de apoio, não de julgamento. É muito difícil romper com o agressor, pois este é o mesmo que dá flores, que tem o suposto cuidado, de modo que é difícil. Se a mulher denuncia dez vezes seu agressor, ela precisa de apoio nas dez vezes e deve ser incentivada a registrar esse tipo de ocorrência na mesma proporção. Peço a todas que não tenham medo de denunciar. Sou ativista pelo fim da violência contra mulher, iniciei essa jornada nas redes sociais. Eu quero falar sobre isso, não escondo o que aconteceu comigo, não tenho pudor ou vergonha em contar a minha experiência. Meu ex-marido foi julgado em outubro de 2018 e condenado a dez anos e oito meses, depois que resolvi denunciar.

JD1 Notícias – Como é a campanha, que está em andamento, sobre feminicídio?

Bruna Oliveira – A Subsecretaria da Mulher, em parceria com a Subsecretaria Especial de Cidadania, lançou, na última semana, a Campanha Estadual de Combate ao Feminicídio. O objetivo é informar e conscientizar a respeito das formas de violência contra a mulher e suas consequências. A partir de 1° de junho, pretendemos realizar atividades nos 79 municípios do Estado.

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