A audiência pública da Comissão Especial que trata do projeto de privatização da Eletrobras na Câmara dos Deputados foi marcada por críticas de deputados à iniciativa do governo de vender a estatal responsável por um terço da geração de energia do país. Com a participação majoritária de parlamentares contrários ao projeto, os deputados criticaram o que chamaram de “entrega” do setor energético e a possibilidade de aumento nas contas de energia com a privatização.
De outro lado, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., disse durante a audiência que os custos de transmissão e distribuição da empresa são maiores que os previstos pela regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o que implica tarifas menores que as necessidades da estatal. A Eletrobras precisaria investir cerca de R$ 14 bilhões para ser competitiva.
A proposta do governo é realizar o leilão de privatização das distribuidoras da Eletrobras, que devem ser adquiridas pelo valor simbólico de R$ 50 mil, e a capitalização das ações da empresa pertencentes ao governo, até que a União se torne sócia minoritária. A estimativa é que sejam captados cerca de R$ 12 bilhões com a operação.
“Uma empresa que tem R$ 172 bilhões em ativos, e se se levar em conta o que foi investido ao longo dos anos, a gente está falando em cerca de R$ 400 bilhões investidos, e o governo quer tirar a capacidade do Brasil de acompanhar algo que é de fundamental importância para o povo brasileiro, que é o direito a ter energia barata”, disse o deputado Glauber Braga (Psol-RJ).
“Por isso, os deputados da base aliada não vem aqui defender esse projeto, eles têm vergonha. Até a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] se manifestou publicamente contra essa privatização”, continuou.
O deputado Danilo Cabral (PSB-PE) disse que a privatização vai resultar em aumento na conta de energia elétrica para os consumidores. Cabral mostrou ofício encaminhado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ao Ministério de Minas e Enegia (MME) em que aponta previsão de um reajuste de mais de 16% nas contas de luz em 2021.
“Quais as consequências disso para o povo brasileiro?!”, questionou. “Para quem produz, o custo da energia para o setor da indústria representa cerca de 40% do insumo, e para o cidadão tem um custo alto”, afirmou. “E quanto custa a Eletrobras? O TCU [Tribunal de Contas da União] está questionando essa pretensa conta que ninguém vê. A gente não sabe quanto, de fato, custa essa empresa, mas, mesmo assim, governo quer vender”, disse Cabral.
O parlamentar é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), uma das empresas da Eletrobras que devem ser privatizadas. Durante a audiência, Cabral, que já apresentou emenda ao projeto retirando a Chesf das privatizações, disse que a venda da Chesf pode representar insegurança hídrica para a região, uma vez que as águas do Rio São Francisco também são utilizadas para o consumo, irrigação e transporte fluvial.
“Quem comprar a Chesf vai controlar o rio, sua vazão, a irrigação, vai controlar tudo. Vamos entregar a chave da caixa d'água para o privado. O que vai orientar a gestão da Chesf não vai ser mais o interesse público, e precisamos dar uma resposta ao povo, não podemos fazer a entrega desse patrimônio”, disse.
O relator do projeto, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), disse que vai promover mudanças no texto por discordar da proposta apresentada pelo governo para tratar da questão do Rio São Francisco. Uma das ideias seria garantir a manutenção e independência do Centro de Pesquisa da Eletrobras (Cepel) e uma compensação pela exploração do Rio São Francisco, a partir da criação de uma agência exclusivamente responsável pela revitalização do rio. “Fui presidente da Chesf, não gosto do modelo que o governo propôs na revitalização do rio, nesse modelo, não vamos ter muito sucesso”, disse.
De acordo com Aleluia, o valor de cerca de R$ 9 bilhões apresentado no projeto pelo governo para tratar da revitalização do São Francisco está subestimado. "É muito mais que isso. Minha proposta é debater como esse projeto vai ajudar na transposição do São Francisco. Fundamentalmente, o São Francisco não recebeu nada da Eletrobras e da Chesf. O rio sempre foi usado de forma extrativista, e queremos revitalizar rio desde Minas Gerais", afirmou.
Defesa da privatização
Durante a audiência, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., defendeu a iniciativa do governo. De acordo com o presidente, para ser competitiva, a empresa precisa investir cerca de R$ 14 bilhões ao ano do próprio caixa. Ferreira Jr. disse ainda que em 2016, o governo já havia aportado cerca de R$ 3,5 bilhões para fechar as contas da Eletrobras.
Ferreira Jr. disse ainda que a Eletrobras convive com custos nos setores de transmissão e distribuição que são maiores do que os estabelecidos pela Aneel. “Nas distribuidoras, nossos custos, perdas e a qualidade do serviço são piores do que os regulados. Isso explica porque damos prejuízo e só isso já justificaria privatizar”, disse.
De acordo com o presidente, as tarifas propostas pela Aneel são 50% menores do que o custo da Eletrobras na área de transmissão. “Não podemos ignorar que a companhia tem números piores que a dos concorrentes”, disse. “A conta não fecha e não fecha há muito tempo”, acrescentou.
A defesa da proposta também foi feita pelo vice-líder do governo na Casa, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). Segundo ele, a situação da Eletrobras se deveu a erros de gestão dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Isso é indiscutível, qualquer economista da esquerda e direita afirma isso. Foi um desastre de gestão”, disse.